segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Duro de Matar


Se eu adivinhasse que 500g de ração para gatos me custariam, além de alguns trocados, intermináveis minutos de tortura psicológica, teria certamente evitado aquela fatídica ida ao supermercado.

É claro que eu havia escolhido a fila mais lerda. Enquanto eu elucubrava com meus botões sobre quanto sofrimento é necessário para comprar um pacote de ração em um supermercado em uma ensolarada manhã de sábado, a "madama" que ocupava o lugar atrás de mim desistia de suas compras – abrindo caminho para aquele que estava predestinado a ser o meu algoz.

- Que bonitinho, a gatinha comprando comidinha.

Virei-me, o alerta vermelho já piscando no meu cérebro, o terror começando a se desenhar no meu rosto diante da ameaça iminente. Procurei identificar o inimigo: 20 a 25 anos, provavelmente 1,75m de altura, camiseta estilo sou-macho-pra-caráleo (também conhecida como “mamãe-quero-ser-puta”) mostrando o bíceps, cara de garanhão transbordando testosterona. Esbocei um sorrisinho tão amarelo e murcho quanto uma folha seca. Ele entenderia que eu não estava para papo.

- Qual o seu nome, meu amor?

Pasmem, ele não entendeu. Inventei uma alcunha qualquer e tentei me desvencilhar daquele machossauro em potencial.

- A gatinha tem telefone?

Pai, afasta de mim esse cálice.

- Desculpe, não é nada pessoal. Mas não costumo trocar telefone com desconhecidos.

Ele estufou o peito e fez uma cara que, na sua nada modesta opinião, devia ser uma bomba ultra-mega-blaster-power-sexy.
- Tudo bem, gata. A gente pode dar um rolé pra se conhecer melhor.

Oh, céus, ele me chamou de “gata” outra vez. E que negócio era aquele de dar um rolé? Respirei fundo, contei até 10 e disse, o mais polidamente possível, que não era uma boa idéia. Ele caprichou na cara de “todas se rasgam por mim – i’ve got the power” e disparou:

- Qual é, gata, por que o medo? Você vai gostar.

Ai, ai, ai... Aquele pseudo-galã-canastrão-de-quinta estava esgotando todas as possibilidades de eu não descer do salto – ou melhor, das minhas sandálias havaianas. Nem adiantava explicar que não era medo, e sim o meu sensor "anti-descerebrator-Tabajara" funcionando com força total... Fiquei pensando na melhor forma de reduzir a pó toda a empáfia da criatura mas, na falta de uma idéia brilhante, mais uma vez prevaleceu minha gentileza.

- Olha, eu realmente não quero ofender você. Só que não pode ser, entendeu?

E eu ainda tinha duas pessoas sem pressa nenhuma na minha frente. Tudo isso por um pacote de ração... uma senhora havia deixado o marido esperando no caixa por pelo menos 10 minutos, enquanto tinha ido procurar não sei o quê em alguma gôndola perdida por ali. Por que cargas d’água não sair de casa com a lista de compras pronta? Você não esquece nada, ganha tempo e, eventualmente, ainda pode salvar uma vida. Oh, céus, oh, vida, oh, azar.

Ele desembestou a desfiar um rosário de suas (supostas) qualidades, basicamente resumidas ao culto do próprio físico - coisa previsível diante das cavalares quantidades de suplementos alimentares no carrinho de compras do superboy (realmente, inteligência não era seu forte). Eu, que nos momentos de tensão costumo lançar mão de uma coçadinha básica no lóbulo da orelha, estava praticamente à beira de uma crise de urticária... Foi quando, como um relâmpago, minha mente se iluminou com o perfeito golpe de misericórdia. Revesti-me de toda minha graça feminil, olhei candidamente no fundo de seus olhinhos marombados e, suavemente, pronunciei, quase sílaba a sílaba, a sentença de morte:

- Querido... Gostei de você, verdade. Você é uma gracinha. Só que... sabe o que é? É duro ter que dispensar a companhia de um cara tão interessante, mas eu tam-bém gos-to de me-ni-nas...

O aspirante a He-man me olhou como se eu fosse uma cápsula de suplemento com prazo de validade vencido. "Foi mal, aê", e trancou-se em um mutismo solene. Paguei meu pacote de ração e disparei para o estacionamento antes que algum gesto menos estudado denunciasse meu golpe.

Enquanto escrevo esse depoimento emocionado, regado a compulsivos goles de café amargo e pelando de quente e ao som da voz da Cristina Aguilera profetizando“What a Girl Wants”, penso no poder afrodisíaco que a inteligência masculina exerce sobre minha singela pessoa. E, SÓ PRA CONSTAR, EU GOSTO (E MUITO, DIGA-SE DE PASSAGEM) DE MENINOS, EXCLUSIVAMENTE E SOMENTE. Mas, se em um mundo de predadores cruéis, o ataque frontal é a arma dos fortes, o mimetismo ainda é uma das mais eficazes armas dos espertos...

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Desventuras em Série - Nanotecnologia....

A Bienal do Livro de São Paulo é um evento inigualável pra quem gosta de livros... Eu amo livros e com certeza me divirto muito nas varias visitas que faço. Ano passado não foi diferente. Eu sempre faço mais de uma visita... uma para pegar os marcadores de página (eu coleciono!!!) e ver a "cara" dos stands e outra pra ver os livros... isso pelo menos... hehehe... Mas teve uma novidade... eu iria com meus alunos assistir a uma palestra, promovida pela Editora Paulos, sobre o Poder da Mídia. O pessoal chegou meio que encima da hora, eu já estava lá esperando. Entramos no pequeno auditório e nos acomodamos quase que no fundo, visto que a sala já estava cheia. Fiquei um pouco mais na frente, no final das contas. Como sempre sou a "fotografa" oficial... estava tirando fotos. A palestra foi entre escritores de uma linha de livros sobre comunicação, e entre eles estava o Prof. Marques de Melo, meu ex diretor dos tempos de faculdade e professor no mestrado e é o diretor da Catedra Unesco/Metodista.

Bom, até ai vc deve estar se perguntando... o que isso tem haver com este blog? Muita hora nesta calma.... hauahuahauaha... O assunto é delicado...são lembranças difíceis... hauahauhaua....

A palestra terminou, eu já tinha tirado várias fotos dos alunos, do evento e tal... ai começou a parte das perguntas... Uma aluna minha se inscreveu pra perguntar, ai eu de maquina na mão tirando mais fotos... um homem atras de nós tb se inscreveu. Seriam feitas 3 perguntas para depois os palestrantes responderiam, porque o tempo estava curto. Minha aluna foi a segunda a perguntar, eu toda orgulhosa fotografei, claro. Ai veio a vez do homem... Ele se levantou, e começou a falar:

"Cheguei atrasado, vocês me desclpem. Eu vim de longe, vim para a Bienal para mostrar meu livro, sou escritor e fui sequestrado. Estou apenas com a roupa do corpo e estes CDs. Eu queria que vocês falassem sobre como a mídia pode ajudar, falando mais sobre isso. Só me sobraram estes CDs aqui com o meu trabalho. Fui sequestrado por seres de outro planeta e tive 40 nanochips instalados em seu corpo. No momento estou sendo monitorado por estes seres. A policia não fez nada e não deu atenção ao meu caso. Eu sou escritor e quero saber o que vocês tem a dizer sobre isso, pois a mídia deveria divulgar mais estes casos de sequestro e das conseqüências da nanotecnologia. Eu não estou pedindo dinheiro, não estou pedindo nada, só quero que tirem estes nanochips de mim".

O homem se sentou em meio ao burburinho e já da pra imaginar a cara de todos na platéia... Olhei de relance pros alunos... pq na verdade a vontade de gargalhar estava misturada ao medo... medo mesmo....
Nem preciso dizer que a pergunta do homem foi ignorada... Nem se comentou nada sobre ela na palestra. Mas a verdade é que toda hora eu olhava para trás, onde estavam os alunos e o tal homem... além do medo... eu fiquei observando se ele apresentava alguma "reação adversa" em decorrência da chipagem... Sabe como é... maluco chama maluco né????

Ao terminar, saimos todos do auditório e fomos conversar la fora. Comentar, é lógico, sobre o caso dos nanochips. Estava a criatura aqui falando e comentando e imitando o homem dizendo aquilo quando as meninas esbugalham os olhos pra mim e minha mana da uma descarada cotovela no meu braço... olho para trás e quem vinha em minha direção???? Quem??? Claro!!! O homem dos nanochips... com os cds na mão... cara de maluco... passa me olhando... e nem, disfarçar eu consegui... hehehehe... O cara passou... olhando para nós e foi andando falando sozinho... é... ele saiu falando sozinho ainda... hauahauhaua

Nem preciso dizer que esta historia rende até hoje... basta falar em nanotecnologia que a Carlinha arrepia toda... hahahaha... Outro dia falando disso numa aula a garota quase teve um treco... hauahauhaua... Fiquei imaginando pq tanto nanochip... e pq os "seres" tinham pego um escritor sem expressão, ao invés do Paulo Coelho ou coisa assim... E onde estariam os nanochips???? E me diga... pq o homem não saiu em foto nenhuma? Serio... estava atras de nós e não apareceu em foto alguma....

Bom... por via das dúvidas..... cuidado com "seres" diferentes na próxima bienal do livro ou qualquer outro grande evento... e se tiver nanochips e coisa assim... bom... nada contra ta... amiga... Mila amiga... hauahauhauaha

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A areia movediça...


Dia lindo de sol, férias, calor, verão, beira da praia... Uma seeeede que Deus mandava e já era perto da hora do almoço. Meu estômago literalmente colado nas costas (nem uma bolachinha desde a hora do café), mas a sede era o que exigia uma providência mais imediata...

Eu e uma amiga resolvemos ir até um barzinho desses de beira-mar, e eu tive a feliz idéia de tomar uma caipirinha. Eu amo caipirinhas não importa de qual fruta, não importa com que substância alcoólica é feita... Nem que seja com uma pinga das bem vagabundas, eu tomo, sempre “facera”!!!! Nesse caso era de limão e não-sei-mais-o-que.

Naquela sede, tomei a primeira que desceu ladeira abaixo refrescando até as calcinhas (do biquíni, lógico)... Praticamente em um gole só. Aí pedimos mais uma, que desceu mais ou menos feito bêbado de patins em ladeira, suaaaaave...

Na hora de levantar do banco, aparentemente tudo sob controle... Quando dei o primeiro passo foi que a coisa “enfeiou”. Nunca tinha visto aquela areia tão fofa! Olhei para a minha amiga e comentei:
- Menina, não sabia que nessa praia tinha areia movediça!!!

Coloquei os óculos escuros, só para ver se disfarçava um pouco, e fomos para casa em busca do salvador almoço... Chegando, toda a família reunida na mesa, mas quando digo toda, significa TODA mesmo! Até minha avó e todos os tios, tias e primos, sentados almoçando. Entrei na maior sutileza, ainda com os óculos, pensando que ninguém ia notar a “rebordosa” da caipirinha. Mas eis que minha língua me trai ao abrir a boca e soltar um sonoro:
- E aeeeeee, famíiiiiiiiliaaaaa.... (leia isso como se sua língua tivesse uns 10 cm de espessura)

Ao mesmo tempo em que falei, minha mão direita fazia um “paz e amor” com os dedinhos e estava com aquele típico sorriso “ganhei na mega-sena” que algumas pessoas exibem nessas horas de consciente alterado (bebedeira nada, eu não bebo!!!! Quem foi que me avisou que o superego é solúvel em álcool mesmo???)

Naquela hora podia jurar que vi minha mãe se enfiar embaixo da mesa, mas acho que era só impressão. Depois ela foi lá dentro me dar o almoço e eu falei com ela no dialeto “enroladez” – que aprendi no FISK:
- Mãe, desculpa mesmo, eu juro que não entendo! Minha cabeça tá pensando normal, mas a língua não se coordena...

No fim das contas ela acabou rindo um monte da minha cara. Eu não bebo (tá, Milinha... na época não bebia!) e por isso aquilo pegou muito fácil. Minha avó até hoje manda tirarem sempre os copos de caipirinha de perto de mim, com a sutileza de quem grita avisando a vizinhança de um incêndio, toda esbaforida! A família toda ainda lembra (porque coisas assim nunca são esquecidas?)

E eu lembro de ter tirado o colchão da “cama de cima” do beliche e colocado na área da frente da casa, para poder dormir tomando um ventinho e com os braços e pernas no chão, porque o mundo parecia tãoooo instável! Caipirinha eu sempre vou tomar (hohoho), mas depois dessa, vou ter cuidado e fazer isso de forma leeeeenta, muuuuito leeenta e com o estômago cheio...

- Anne - 

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A Saga do Peixe Frito


Alguém aí conhece outro alguém traumatizado com peixe frito?

Caso sua resposta seja negativa, muito prazer, Flávia. A origem do drama vem de longa data: no auge dos meus singelos nove anos, quase fui assassinada por uma posta (eu disse Posta) de peixe frito. Era domingo e a família estava toda reunida em um restaurante lotadérrimo. E eu era uma garotinha fresca. Sempre tive aversão a tocar a comida com os dedos, o que significa que até mesmo o peixe era cuidadosamente destrinchado com grafo e faca (uma prévia das minhas habilidades com o bisturi). As reuniões gastronômicas da minha família nunca foram sinônimo de mar de tranqüilidade... na verdade, mais pareciam reuniões do hospício!!! Foi em meio à barulheira de vozes e talheres que senti aquele troço, que mais parecia um “vergalhão” de aço, estacionar na minha garganta. Esbugalhei os olhos e, com as mãos agarradas ao pescoço, tentei me fazer entender em meio à confusão.

- Gá... gá... gáááá... aa...
- Fala, minha filha. O que foi? – e mamãe continuava distraída com a história de não-sei-quem-fazendo-não-sei-quê-não-sei-onde que meu tio contava (e aumentava).
- Gáááááááá...
- O que foi, meu amor? Quer mais um golinho de refrigerante, quer?
- Gáááááááá...

Eu gesticulava feito uma louca com as mãos ora agarradas no pescoço, ora abanando-se furiosamente no ar, o corpo sacolejando espasmodicamente na cadeira, o rosto vermelho de desespero e raiva por estar morrendo daquela forma tão idiota – assassinada por uma espinha de peixe. A essa altura os “gááááááá” haviam já se transformado em um misto de indignação e luta pela sobrevivência. Eu tinha nove anos e estava prestes a esticar as canelas (abotoar o paletó de madeira, comer a grama pela raiz, ir para a terra dos pés-juntos) pagando o mico do ano no meio de um restaurante abarrotado de gente.

Não sei quanto tempo levei naquela mímica ridícula – o fato é que mamãe percebeu que não era firula e que, definitivamente, aquilo não era vontade de tomar refrigerante... ela olhou para mim e o instinto de preservação da espécie foi incontrolável, assim como o grito que irrompeu assustador da sua goela maternal.

- Socooooooooooooorro! Minha filha está morrendo! Acudaaaaaaaam!

A hecatombe que se seguiu foi o equivalente microcósmico do apocalipse (o que quer que isso signifique). Apareceu gente de todos os lados, incluindo família, garçons, gerentes e curiosos mórbidos doidos pra acompanhar a novela mexicana da “menina que estava morrendo engasgada, tadinha”. As soluções para me resgatar da morte iminente eram mais apavorantes do que a possibilidade de passar desta para melhor.

- Dá farinha para ela, minha filha – e vovó dizia isso despejando uma chuva de farinha de mandioca dentro da minha boca aberta, uma delícia!!! (Notaram o sarcasmo aqui, não???)
- Faz ela comer banana.
- Tragam água. Tem que beber água gute-gute!

E foi uma avalanche interminável de água gute-gute, farinha de mandioca, banana e “gááááááá”... Davam-me tapinhas nas costas na tentativa de me desentalar. O barulho era tanto que não duvido que tenha inclusive corrido um bolão por ali... felizmente havia por perto alguém sensato o suficiente que se lembrou de chamar os paramédicos, que me enfiaram um troço na garganta e retiraram a espinha-vergalhão-pseudo-assassina.

O gerente, com medo de que o incidente manchasse a reputação do restaurante, deixou nosso almoço fatídico por conta da casa. Passei uns longos dias com a goela dolorida, e uns longos anos sem conseguir me aproximar de peixe frito, farinha de mandioca e banana... continuo destrinchando ainda mais meticulosamente a comida com os talheres. A lição? Nunca, jamais, subestime o significado oculto de um “gáááááá”...