Se eu adivinhasse que 500g de ração para gatos me custariam, além de alguns trocados, intermináveis minutos de tortura psicológica, teria certamente evitado aquela fatídica ida ao supermercado.
É claro que eu havia escolhido a fila mais lerda. Enquanto eu elucubrava com meus botões sobre quanto sofrimento é necessário para comprar um pacote de ração em um supermercado em uma ensolarada manhã de sábado, a "madama" que ocupava o lugar atrás de mim desistia de suas compras – abrindo caminho para aquele que estava predestinado a ser o meu algoz.
- Que bonitinho, a gatinha comprando comidinha.
- Que bonitinho, a gatinha comprando comidinha.
Virei-me, o alerta vermelho já piscando no meu cérebro, o terror começando a se desenhar no meu rosto diante da ameaça iminente. Procurei identificar o inimigo: 20 a 25 anos, provavelmente 1,75m de altura, camiseta estilo sou-macho-pra-caráleo (também conhecida como “mamãe-quero-ser-puta”) mostrando o bíceps, cara de garanhão transbordando testosterona. Esbocei um sorrisinho tão amarelo e murcho quanto uma folha seca. Ele entenderia que eu não estava para papo.
- Qual o seu nome, meu amor?
Pasmem, ele não entendeu. Inventei uma alcunha qualquer e tentei me desvencilhar daquele machossauro em potencial.
- A gatinha tem telefone?
Pai, afasta de mim esse cálice.
- Desculpe, não é nada pessoal. Mas não costumo trocar telefone com desconhecidos.
Ele estufou o peito e fez uma cara que, na sua nada modesta opinião, devia ser uma bomba ultra-mega-blaster-power-sexy.
- Tudo bem, gata. A gente pode dar um rolé pra se conhecer melhor.
- Tudo bem, gata. A gente pode dar um rolé pra se conhecer melhor.
Oh, céus, ele me chamou de “gata” outra vez. E que negócio era aquele de dar um rolé? Respirei fundo, contei até 10 e disse, o mais polidamente possível, que não era uma boa idéia. Ele caprichou na cara de “todas se rasgam por mim – i’ve got the power” e disparou:
- Qual é, gata, por que o medo? Você vai gostar.
Ai, ai, ai... Aquele pseudo-galã-canastrão-de-quinta estava esgotando todas as possibilidades de eu não descer do salto – ou melhor, das minhas sandálias havaianas. Nem adiantava explicar que não era medo, e sim o meu sensor "anti-descerebrator-Tabajara" funcionando com força total... Fiquei pensando na melhor forma de reduzir a pó toda a empáfia da criatura mas, na falta de uma idéia brilhante, mais uma vez prevaleceu minha gentileza.
- Olha, eu realmente não quero ofender você. Só que não pode ser, entendeu?
E eu ainda tinha duas pessoas sem pressa nenhuma na minha frente. Tudo isso por um pacote de ração... uma senhora havia deixado o marido esperando no caixa por pelo menos 10 minutos, enquanto tinha ido procurar não sei o quê em alguma gôndola perdida por ali. Por que cargas d’água não sair de casa com a lista de compras pronta? Você não esquece nada, ganha tempo e, eventualmente, ainda pode salvar uma vida. Oh, céus, oh, vida, oh, azar.
Ele desembestou a desfiar um rosário de suas (supostas) qualidades, basicamente resumidas ao culto do próprio físico - coisa previsível diante das cavalares quantidades de suplementos alimentares no carrinho de compras do superboy (realmente, inteligência não era seu forte). Eu, que nos momentos de tensão costumo lançar mão de uma coçadinha básica no lóbulo da orelha, estava praticamente à beira de uma crise de urticária... Foi quando, como um relâmpago, minha mente se iluminou com o perfeito golpe de misericórdia. Revesti-me de toda minha graça feminil, olhei candidamente no fundo de seus olhinhos marombados e, suavemente, pronunciei, quase sílaba a sílaba, a sentença de morte:
- Querido... Gostei de você, verdade. Você é uma gracinha. Só que... sabe o que é? É duro ter que dispensar a companhia de um cara tão interessante, mas eu tam-bém gos-to de me-ni-nas...
O aspirante a He-man me olhou como se eu fosse uma cápsula de suplemento com prazo de validade vencido. "Foi mal, aê", e trancou-se em um mutismo solene. Paguei meu pacote de ração e disparei para o estacionamento antes que algum gesto menos estudado denunciasse meu golpe.
Enquanto escrevo esse depoimento emocionado, regado a compulsivos goles de café amargo e pelando de quente e ao som da voz da Cristina Aguilera profetizando“What a Girl Wants”, penso no poder afrodisíaco que a inteligência masculina exerce sobre minha singela pessoa. E, SÓ PRA CONSTAR, EU GOSTO (E MUITO, DIGA-SE DE PASSAGEM) DE MENINOS, EXCLUSIVAMENTE E SOMENTE. Mas, se em um mundo de predadores cruéis, o ataque frontal é a arma dos fortes, o mimetismo ainda é uma das mais eficazes armas dos espertos...
Ele desembestou a desfiar um rosário de suas (supostas) qualidades, basicamente resumidas ao culto do próprio físico - coisa previsível diante das cavalares quantidades de suplementos alimentares no carrinho de compras do superboy (realmente, inteligência não era seu forte). Eu, que nos momentos de tensão costumo lançar mão de uma coçadinha básica no lóbulo da orelha, estava praticamente à beira de uma crise de urticária... Foi quando, como um relâmpago, minha mente se iluminou com o perfeito golpe de misericórdia. Revesti-me de toda minha graça feminil, olhei candidamente no fundo de seus olhinhos marombados e, suavemente, pronunciei, quase sílaba a sílaba, a sentença de morte:
- Querido... Gostei de você, verdade. Você é uma gracinha. Só que... sabe o que é? É duro ter que dispensar a companhia de um cara tão interessante, mas eu tam-bém gos-to de me-ni-nas...
O aspirante a He-man me olhou como se eu fosse uma cápsula de suplemento com prazo de validade vencido. "Foi mal, aê", e trancou-se em um mutismo solene. Paguei meu pacote de ração e disparei para o estacionamento antes que algum gesto menos estudado denunciasse meu golpe.
Enquanto escrevo esse depoimento emocionado, regado a compulsivos goles de café amargo e pelando de quente e ao som da voz da Cristina Aguilera profetizando“What a Girl Wants”, penso no poder afrodisíaco que a inteligência masculina exerce sobre minha singela pessoa. E, SÓ PRA CONSTAR, EU GOSTO (E MUITO, DIGA-SE DE PASSAGEM) DE MENINOS, EXCLUSIVAMENTE E SOMENTE. Mas, se em um mundo de predadores cruéis, o ataque frontal é a arma dos fortes, o mimetismo ainda é uma das mais eficazes armas dos espertos...